8° TABELIONATO DE NOTAS DE GOIÂNIA
CARTÓRIO LUCAS FERNANDES
  • Publicado por: Tiago

Os tribunais de Justiça e o ITBI nas integralizações de imóveis ao capital social

Em abril deste ano, publicamos artigo nesta ConJur sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 796.376 — Tema 796) que tratou da incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em integralizações de imóveis ao capital de sociedades [1].

À época, como a decisão do STF era recentíssima, havia poucos julgados dos Tribunais de Justiça estaduais sobre o tema. Hoje, em busca realizada em alguns Tribunais de Justiça [2], é possível verificar como têm se posicionando em questões relativas à incidência de ITBI na integralização de imóveis ao capital social à luz do precedente da Suprema Corte.

Apenas para recapitular a controvérsia, a decisão do STF estabeleceu que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. O caso concreto que culminou no julgado tratava especificamente de emissão de quotas com formação de reserva de ágio, em que parte do valor do bem ou recursos integralizados não acresce ao capital social.

Nesse sentido, o tema fixado acabou por consubstanciar duas diferentes conclusões, havendo, ainda, uma terceira linha de raciocínio que vem sendo adotada por alguns municípios:

Tese 1 — Diferença entre capital e reserva de ágio: no caso de integralizações de capital, a diferença entre o valor dos bens imóveis que aumenta o capital social e a parcela do valor dos bens imóveis que é destinada à conta de reserva de ágio não é imune ao ITBI.

Tese 2 — Imunidade incondicionada: as integralizações de bens imóveis ao capital de sociedades são totalmente imunes ao ITBI quando não há emissão de quotas com ágio, independentemente da atividade da empresa que recebe os imóveis (imunidade incondicionada), enquanto as transmissões de patrimônio imobiliário em decorrência de operações de fusão, cisão e incorporação estão condicionadas à ausência de atividade preponderantemente imobiliária da sociedade adquirente/incorporadora.

Tese 3 — Diferença entre valor venal e o integralizado: de acordo com os municípios, independentemente da existência de ágio na subscrição, sempre que o valor venal for superior ao valor atribuído ao imóvel para fins de integralização, a diferença estará sujeita ao ITBI.

Ao buscar julgados sobre a matéria, pudemos notar que os Tribunais de Justiça estão interpretando o Tema 796 do STF de maneira significativamente diversa em suas decisões.

Em relação à tese 1, que indica como parcela tributável pelo ITBI apenas a diferença de valores destinada à conta de reserva de ágio, verifica-se decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que assentou o entendimento de que o ITBI incide sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o do capital subscrito a ser integralizado, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Por sua vez, em relação à tese 2, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) reconheceu que a integralização de imóveis ao capital social goza de imunidade incondicionada, isto é, independentemente de a sociedade adquirente explorar atividade imobiliária (exatamente na mesma linha do precedente do STF):

“Outrossim, o que se observa, em verdade, no caso, é a confusão interpretativa do texto constitucional, de modo a restringir a fruição de imunidade tributária, à comprovação de que a empresa impetrante, que pleiteia a integralização de bem móvel ao seu patrimônio, não desenvolve atividade preponderante de corretagem imobiliária. Entretanto, muito embora a norma infraconstitucional constante dos artigos 36 e 37 do Código Tributário Nacional (CTN) direcione em sentido diverso, a exigência da observância de tal restrição somente diz respeito às situações de transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica” [3].

Em outro caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concluiu que mesmo em operações de cisão, fusão e incorporação em que a adquirente explora atividade imobiliária, não há incidência do ITBI, uma vez que o fato gerador do tributo consiste na transmissão onerosa intervivos de bem imóvel, o que não ocorre em tais casos, marcados pela sucessão universal de bens e direitos:

“Contudo, o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376, em regime de repercussão geral, não se aplica ao presente caso, uma vez que este não se refere a integralização de imóveis ao capital social e sim à incorporação societária, com a transferência da totalidade do patrimônio da incorporada à incorporadora.
(…)
A controvérsia reside nos casos em que a atividade preponderante da incorporadora é imobiliária.
(…)
Isso porque a incidência do ITBI está condicionada à existência de transferência por ato oneroso, o que não se verifica na incorporação, que é operação de reestruturação societária na qual há sucessão universal.
(…)
Além disso, o imposto também não é devido em razão de a transmissão não se dar inter vivos, já que uma das sociedades é extinta na incorporação, conforme lição de Hugo de Brito Machado.
(…)
No caso dos autos, a impetrante procedeu à incorporação integral das sociedades (…), sucedendo-as universalmente, de forma que passou a ser proprietária dos imóveis que eram das incorporadas. Como visto, não há onerosidade nessa operação, e ela não ocorre entre vivos, de forma que não há que se falar na incidência de ITBI” [4].

Por fim, em relação à tese 3, preocupa que esta seja a fundamentação mais utilizada pelos Tribunais de Justiça de modo a acatar argumentação utilizada pelas municipalidades para exigir a tributação do ITBI com base no “valor venal” dos imóveis. Ao analisar as decisões que aplicam o Tema 796 do STF, a nosso ver, de maneira equivocada, a maioria das decisões têm entendido que é tributável a diferença entre o valor venal do imóvel e o valor atribuído a ele para fins de integralização (geralmente o custo de aquisição declarado no Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) do sócio que realização a integralização), nos casos que a imunidade seria cabível, mesmo quando não há formação de reserva de ágio. Nesse sentido:

TJ-SP [5]: Integralizar o capital social de uma sociedade é o mesmo que pagá-lo. Todo pagamento, por sua vez, é o pagamento de um preço. E o preço do capital social é aquele estipulado no contrato social (seja como conferência inicial, seja como acréscimo posterior), nem mais, nem menos.
Consequentemente, o excedente da integralização do capital social não integra esse mesmo capital social. Constitui uma transferência de patrimônio como qualquer outra, agregando bens, direitos e obrigações aos ativos e passivos da sociedade; e, nesse sentido, não está acobertado pela regra da não incidência do ITBI do artigo 156, §2º, I, da Constituição Federal”.

TJ-PR [6]: “Ainda que o sócio tenha optado por integralizar os imóveis pelo valor da declaração de imposto de renda, como permite a legislação federal, a fim de que não haja a incidência do imposto de renda sobre ganho de capital, referida previsão legal não reflete nas regras de incidência do ITBI, de modo que o caso deve ser analisado tão somente considerando o valor da quota do capital social e o de mercado dos imóveis.
A partir disso, depreende-se que incide no caso a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 796376 (Tema 796), no sentido de que o valor excedente ao limite de capital social a ser integralizado não está imune ao ITBI”.

TJ-MT [7]: A imunidade tributária prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição da República Federativa do Brasil não incide quando o valor do bem imóvel ultrapassar o do capital social a ser integralizado, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do recurso extraordinário nº 796376/SC, com repercussão geral (Tema 796): ‘A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Como se pode notar, apesar de algumas decisões adotarem posições divergentes, a maioria dos julgados até o momento têm interpretado que a imunidade ao ITBI se limita ao valor atribuído ao imóvel para a integralização ao capital, de modo que se o valor venal for maior, a diferença é tributável pelo ITBI.

A partir da leitura do texto constitucional, bem como da decisão proferida pela Suprema Corte no Tema 796, não nos parece ser essa a compreensão mais precisa do precedente do STF, que, como dito, lidava com caso em que houve formação de reserva de ágio. Ou seja, no leading case, a tributação incidiu sobre a diferença entre o valor atribuído ao bem para a integralização e o valor que efetivamente acresceu ao capital. Não se tratou, naquele caso, de eventual diferença entre o valor atribuído ao bem para a integralização e o seu respectivo valor venal, como têm defendido os municípios.

[1] Link do artigo: https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/opiniao-stf-itbi-integralizacao-imoveis-capital-social.

[2] Pesquisa realizada na data 27/08/21, nos sítios eletrônicos de todos os Tribunais, mas com foco no TJSP, TJSC, TJRJ e TJPR. Foram utilizados os seguintes termos de pesquisa: “ITBI” “Tema 796 STF”; Integralização de capital e ITBI; “Não incidência de ITBI na integralização de imóvel” “Tema 796 STF”.

[3] Por exemplo: TJBA, Apelação nº. 0579490-40.2016.8.05.0001, Relator: Cynthia Maria Pina Resende, Quarta Câmara Cível, Data de publicação: 20/7/2021.

[4] TJSP. Apelação e Reexame Necessário Nº.: 1000768-87.2019.8.26.0471.

[5] Por exemplo: TJSP, Apelação Cível nº. 1001342-71.2020.8.26.0311, Relator: Henrique Harris Júnior, Data de Julgamento: 10/5/2021, 18ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 10/5/2021.

[6] Por exemplo: TJPR, Apelação nº. 0012781-04.202.08.16.0173, Relator: Antonio Renato Strapasson, Data de Julgamento: 13/07/2021, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/7/2021.

[7] Por exemplo: TJMT, Agravo de Instrumento nº. 1002072-28.2021.8.11.0000 MT, Relator: Luiz Carlos Da Costa, Data de Julgamento: 20/07/2021, 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 2/8/2021.